Descrição de chapéu atletismo

Brasileiros se classificam para Olimpíadas, mas perdem vaga por erro no processo de antidoping

Trio que conquistou vaga nas pistas pode ficar fora de Paris porque exames feitos não seguiram os padrões exigidos por entidade internacional

Maceió

Quando Livia Avancini viu a lista dos atletas classificados às Olimpíadas e seu nome não estava, ficou fora do ar. Terceira do ranking brasileiro de arremesso de peso, ela tinha direito a uma vaga nos Jogos, mas sentiu seu sonho olímpico sumir repentinamente. A sensação, descreveu, é um misto de impotência, desespero e tristeza.

Livia, Max Batista (marcha atlética) e Hygor Gabriel (revezamento 4x100 m) vivem a mesma situação: os três conseguiram nas pistas índices que garantem a ida para Paris, mas podem ficar de fora dos Jogos porque, segundo a World Athletics, não foram submetidos a três testes antidoping surpresa em um intervalo de dez meses antes das Olimpíadas.

A responsabilidade da testagem era da ABCD (Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem), a partir de nomes enviados pela CBAt (Confederação Brasileira de Atletismo).

A imagem mostra uma atleta no momento do lançamento de peso em um estádio. A atleta está vestindo uma camiseta verde e calças justas azuis com detalhes amarelos. Ela está em uma posição de arremesso, com o braço direito estendido para trás e o esquerdo para frente. Ao fundo, é possível ver as arquibancadas do estádio com alguns espectadores e outros atletas sentados. O céu está claro e ensolarado.
Livia Avancini em ação durante torneio em Budapeste; atleta conseguiu índice olímpico, mas pode ficar fora de Paris - Aleksandra Szmigiel - 26.ago.23/Reuters

A regra dos três testes é nova. Foi definida em fevereiro deste ano pela World Athletics, que, aceitando uma recomendação da Athletics Integrity Unit –responsável pelo antidopoing no atletismo–, impôs a atletas de Brasil, Peru, Equador e Portugal a obrigação de passarem pelos três exames surpresa nos dez meses que antecedem os Jogos.

Na época, a decisão foi tomada porque brasileiros haviam disputado os últimos mundiais com média insuficiente de testagem.

Nesta segunda-feira (8), o presidente da CBAt, Walmir Motta Campos, afirmou que recorreu à World Athletics para liberar o trio, mas a entidade negou o pedido. Agora, o processo será levado à CAS (Corte Arbitral do Esporte), na Suíça.

"A Livia e o Max fizeram quatro testes, e o Hygor, três. Porém, no caso da Livia e do Max, dois testes não tiveram o intervalo de 21 dias e um destes foi realizado em competição. E do Hygor, foram dois em competição e somente um fora de competição", explicou.

Os três estavam na lista larga da CBAt. Segundo Campos, "os atletas nada fizeram e foram submetidos aos testes, estão completamente limpos e devem participar dos Jogos".

Max se classificou para as Olimpíadas pelo ranking e entrou para a lista há uma semana, mas saiu nesta segunda-feira (8). Já Livia alcançou posição que lhe garante lugar nos Jogos no fim de semana e foi removida no mesmo dia. A conquista da vaga às vésperas do torneio, porém, não significa que ambos sejam uma surpresa. Desde março, eles estavam próximos à zona de classificação.

Hygor Gabriel conquistou a vaga por ter sido medalhista de prata no Troféu Brasil nos 100 m –uma das provas mais icônicas dos Jogos Olímpicos.

A ABCD afirma que nem ela nem a CBAt tiveram culpa. Em nota, aponta que as novas regras da WA complicaram o cronograma de testagem e que fez de tudo para se adaptar. Diz, ainda, que a confederação indicou um grupo prioritário para testes, com 102 atletas.

"A regra da WA determinou que esses três testes precisariam ser feitos até o dia 4 de julho de 2024, mesmo sendo esta data bastante anterior ao embarque dos atletas para Paris. Se não existisse uma data limite, certamente outras oportunidades para teste poderiam ser consideradas", diz a entidade brasileira de combate ao doping.

A ABCD acrescenta que Max e Livia entraram nessa lista prioritária e fizeram dois testes de urina e um de sangue, fora de competição, além de um de urina em competição nos últimos 10 meses. A World Athletics questiona o intervalo entre esses testes.

No caso de Hygor, a entidade deu a entender que o problema é mais complexo, já que o atleta se classificou muito perto das Olimpíadas e não estava mapeado entre possíveis representantes brasileiros em Paris.

"O caso do atleta Hygor envolve uma maior sensibilidade, que nos parece ser exatamente a situação que a WA pretende evitar, neste caso, ter nos Jogos um atleta que não estava mapeado como elegível e que, portanto, não fazia parte do programa de testes da ABCD ou da WA. Apesar disso, o atleta tem dois testes em competição e um teste fora de competição realizados nos últimos 10 meses.".

À Folha, Livia afirma que sua vida está quase parada desde que soube que estava fora. Segue somente com o trabalho de personal trainer, mas os treinos para competir e a alimentação correta estão sendo um pouco negligenciados pela tristeza.

"É, realmente eu fiquei extremamente desapontada, desanimada, triste com tudo isso, porque eu não esperava. Primeiro eu já tinha aceitado o fato de que eu não iria para as Olimpíadas por conta do ranking, que tinha acontecido tudo da forma que aconteceu. Depois aconteceu essa mudança, que foi realmente uma surpresa, uma surpresa boa, uma bênção. E aí, logo em seguida, outra notícia ruim", conta.

"Eu estou, assim, ainda meio fora do ar. Então, eu espero que eu, aos poucos, vá voltando com os pés no chão e entendendo tudo que aconteceu. Mas eu realmente estou, assim, muito triste. Nunca imaginei sentir isso, uma sensação de desespero. Confiante [na resolução], não estou, mas tenho fé de que seja resolvido a nosso favor e possamos ir às Olimpíadas", complementa.

Abraão Nascimento, treinador de Hygor Gabriel e coordenador do projeto Atletismo Campeão de Recife, não quis nomear culpados, mas afirmou que o atleta fez somente uma testagem fora de competição.

"O que tem que se entender é que os atletas não têm controle sobre quando vão ser feitos esses testes, uma vez que são surpresa. O comissário chega no local que o atleta treina ou onde ele mora e faz o teste na hora. Não cabe ao atleta decidir ou escolher quando faz", explica.

Pelas redes sociais, Hygor se manifestou. "Ainda não é certeza que serei desclassificado dos Jogos Olímpicos de Paris", mas ressaltou que não irá desistir.

"Ontem conversei com ele e ele me disse não estava conseguindo dormir. Já conversei com a psicóloga da nossa equipe para ela conversar com ele, porque isso mexe com o sonho do atleta, é maior do que qualquer coisa. É ansiedade, é tristeza", afirma Nascimento.

Por mensagem, Max Batista afirmou que "a CBAt está cuidando do caso, que já está na corte arbitral, então iremos aguardar".

Segundo o advogado Breno Tannuri, especialista em casos do tipo, é possível que surja uma resolução antes do início dos Jogos. A CBAt ainda estrutura o processo.

"Em tese, é possível, sim [reverter]. O processo é super simplificado e uma decisão normalmente ocorre entre 48 h e 72 h, o que tornaria o tempo hábil. No CAS, há uma força tarefa com árbitros especialmente designados para o evento, assim como outros voluntários, e, portanto, apresentação das petições, audiência e decisão ocorrem todos dentro desse período", explicou.

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