Joanna Moura

É publicitária, escritora e produtora de conteúdo. Autora de "E Se Eu Parasse de Comprar? O Ano Que Fiquei Fora da Moda". Escreve sobre moda, consumo consciente e maternidade

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Joanna Moura
Descrição de chapéu Todas

Viva os imigrantes!

No domingo (7), a França derrotou a extrema-direita anti-imigratória, 24 horas depois da abertura de um novo restaurante de imigrantes brasileiras na capital

Há algo de mágico em ver sonhos se tornarem reais. Quando se é imigrante então, aí a magia ganha contornos de milagre. Especialmente se o caminho percorrido para se chegar a uma nova morada é aquele contrário ao da colonização.

É que este que convencionou-se chamar de "Velho Mundo" costuma desde sempre reservar seus caminhos mais prósperos para os que aqui já estão e sempre estiveram. Quem chega de fora há de se contentar tantas vezes com o que sobra e agradecer aos céus por ter sido aceito em solo tão concorrido.

Imigrar é, portanto, se aventurar no novo trazendo sonhos na pouca bagagem, seguir sonhando uma vez alcançado o destino é por si só um ato de coragem.

Imagem de uma manifestação na Praça da República em Paris, com uma grande multidão de pessoas. Uma bandeira da França é visível em primeiro plano, e ao fundo, a estátua da Marianne, símbolo da República Francesa iluminada. O céu está parcialmente nublado e há algumas luzes e fumaça na multidão
As eleições legislativas na França encerram o segundo turno no último domingo (7) com um resultado surpreendente: a coalisão de esquerda ficou em 1° lugar, com 182 cadeiras, seguida pelo partido de Emmanuel Macron, com 168 - Emmanuel Dunand/AFP

Mas aí há, entre tantos que se aventuram, aqueles que não se encolhem para caber nos espaços vazios desse velho mundo. Que ainda machucados pelas intempéries da travessia e pela solitária jornada para aprender a navegar num velho mundo novo, ainda conseguem ter a ousadia de tentar transformar aqueles sonhos que vieram na mala em realidade.

Esse fim de semana fui testemunha ocular de uma dessas ousadias. Duas mulheres brasileiras imigrantes se conhecem em Paris e descobrem que compartilham do mesmo sonho impossível: montar um restaurante na cidade berço da gastronomia. Sem contatos, sem heranças familiares, sem plano B.

O velho mundo tentou as dissuadir do sonho —que àquela altura já tinha se tornado plano— fechando portas, impondo burocracias, questionando suas habilidades, testando suas resiliências. E houve momentos em que as duas, depois de meses gastando seus franceses carregados de brasilidade, pensaram que seria impossível.

A ajuda veio de outra parte do mundo, do bolso e coragem de outra imigrante brasileira que também havia enfrentado o duro caminho para chamar um outro país de casa.

Finalmente, neste sábado, o Trigo nasceu, por trás de uma fachada verde musgo em meio aos prédios sem cor. O nome simboliza a transformação do simples em extraordinário e não poderia haver tradução melhor —nem em melhor língua— para a ousadia dessas moças em cimentar no mundo aquilo que só existia em seus desejos.

Ao brindar este nascimento com gente vinda de tantas partes, ouvi alguém gritar "Viva os imigrantes!".

No domingo, meras 24 horas depois, a França anunciou uma derrota esmagadora da extrema direita no segundo turno das eleições legislativas. Extrema direita que defende uma posição radical contra a imigração.

Uma semana antes, aqui em terras britânicas, uma outra eleição arrancava do poder o Partido Conservador, aquele que, em 2016, contribuiu fortemente para o desastroso referendo que resultou na saída do Reino Unido da União Europeia.

Embarquei no trem de volta para casa trazendo comigo um renovado sentimento de esperança. Não temos controle sobre o solo que nos recebe ao nascermos, nem este deveria ditar nosso futuro, muito menos nossa capacidade de transformar sonhos em realidade.

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