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Thiago Stivaletti

Onde estão as pessoas com mais de 70 em nossa TV?

Polêmica sobre Joe Biden e a capa da The Economist fazem lembrar que, nas novelas, figura do avô e da avó entrou em extinção

Uma mulher idosa de óculos abraça outro idoso com blusa cinza e barba branca
Os veteranos atores Fernanda Montenegro e Lima Duarte - Divulgação
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São Paulo

Polêmica da última semana: em sua capa, a revista inglesa The Economist pede a renúncia da candidatura de Joe Biden com a imagem de um andador. As redes ferveram constatando o óbvio: a publicação foi etarista e capacitista. Etarista por induzir na imagem que o problema de Joe Biden é ser velho, quando, na verdade –como bem lembrou o Antônio Prata– o problema dele é ser Joe Biden, e não um Ariano Suassuna, que dava uma surra em qualquer debate até morrer, aos 87. E capacitista por considerar que uma pessoa que usa andador não pode governar um país, como se uma dificuldade de mobilidade afetasse o intelecto.

A questão me fez pensar como anda a nossa TV em termos de etarismo. Quantos talentos com mais de 70 vemos nas nossas telas? Melhoramos ou pioramos em relação ao passado?

A impressão que eu tenho é que, quando eu era criança nos anos 1980, havia uma penca de atores de mais idade que eram constantes nas novelas. Mário Lago fez novela com toda a energia até morrer, aos 90. Norma Geraldy, até os 93. Henriqueta Brieba, até os 89. Yara Cortes, até os 74. Flávio Migliaccio, até os 85. Cleide Yáconis e Nicete Bruno, até os 86. E temos um esquadrão de primeira grandeza que só há pouco tempo deu uma desacelerada das novelas: Fernanda Montenegro, Lima Duarte, Nathália Timberg, Laura Cardoso, Suely Franco, Ana Lúcia Torre. Ah, e ainda tem o Ary Fontoura, que além de seguir na TV ainda arrumou um novo job de influenciador digital, com quase 6 milhões de seguidores no Instagram.

Hoje, cadê os avôs e avós nas novelas? Os personagens na casa dos 40 ou 50 têm filhos, mas não costumam ter pai e mãe. A exceção do momento é a novela das sete, "Família É Tudo", que centrou a sua divulgação inicial em Arlete Salles, de 82 anos, vivendo gêmeas e encarando até uma cena de naufrágio de navio, numa cena de ação com água para todo lado. Espaço mais do que merecido para uma atriz que já brilhou em tantos papéis incríveis, como a Carmosina de "Tieta", a Kika Jordão de "Lua Cheia de Amor" e a sem noção Copélia do seriado "Toma Lá, Dá, Cá". Mas estamos falando de uma só personagem; a maioria dos outros personagens centrais tem menos de 40.

O cenário é ainda mais árido em "Renascer" e "No Rancho Fundo". OK, a novela das nove é um remake, e a versão original de 1993 já não tinha personagens de mais idade. Mas um personagem importante, Jacutinga, a dona do bordel, que na primeira versão foi vivida por Fernanda Montenegro (64 anos) foi bem rejuvenescida agora com Juliana Paes, 45, com uma grossa maquiagem de rugas em suas cenas finais. Por que não uma atriz de 60 ou 70? Já "No Rancho Fundo" é uma novela de tom cômico que bem comportaria um vovô ou vovó da roça, desses de bacamarte na mão para defender a família. O elenco veterano, porém, fica na casa dos 54 a 60 com Alexandre Nero, Du Moscovis e Andréa Beltrão.

Que bom, ainda temos Tony Ramos, Betty Faria, Eliane Giardini, Marcos Caruso e alguns poucos sempre voltando à programação. Alguns, como Antonio Fagundes e Marco Nanini, parecem ter diminuído o ritmo por vontade própria, o que é bem legítimo. Mas o problema parece começar bem antes da escalação.

UM MUNDO SÓ DE JOVENS

Nossa cultura da juventude é tão massacrante que uma pessoa de idade para ter espaço na nossa dramaturgia hoje, precisa parecer mais jovem que a sua idade e fazer "coisas de jovem". Usamos a frase "nossa, como fulano está bem!" quase sempre querendo dizer "nossa, como está jovem e não velho e acabado!". Nenhum problema em ser jovial, mas também nenhum problema em desacelerar depois dos 70. A figura do avô e da avó que acumulou sabedoria na vida e dá conselhos muitas vezes divertidos (e às vezes ainda trabalha, por que não?) virou um peso morto na ficção.

Saudade das novelas do Manoel Carlos, outro que seguiu em plena forma escrevendo suas novelas até os 81. Suas histórias sempre deram atenção aos mais velhos, como a vó Olga (Yara Cortes) em "História de Amor" (1995), a personagem mais inteligente, sábia e engraçada do elenco; e o casal Flora e Leopoldo (Carmem Silva e Oswaldo Louzada) em "Mulheres Apaixonadas" (2003) –aqueles que apanhavam da neta Dóris (Regiane Alves), mas também enfrentavam mil outros preconceitos etaristas na rua de cabeça erguida.

Thiago Stivaletti

Thiago Stivaletti é jornalista e crítico de cinema, TV e streaming. Começou a carreira como repórter na Folha de S. Paulo e foi colunista do portal UOL. Como roteirista, escreveu para o Vídeo Show (Globo) e o TVZ (Multishow).

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